- Quando ela olhou nos meus olhos, pude ver que seus olhos estavam
molhados. Então, com um movimento suave que pareceu durar por muitos minutos,
ela foi soltando minha mão como se estivesse ela mesma se esvaindo. Nada nos
dissemos. Eu, porque trazia o choro preso à garganta, ela, porque faltou-lhe
voz e apenas um murmúrio denunciou seu adeus. “Caminhou” na direção de seu
próximo passo com o rosto voltado para mim, os lábios levemente entreabertos
emudecidos calando um pedido para que eu evitasse de alguma forma sua partida. A desapontei. Não sabia o que fazer
e apenas assisti, estático, ela saindo de minha vida. Desde a sua partida, há
um tempo que jamais consegui marcar em anos, só com saudades, não se passou um
só dia que seus olhos não me viessem visitar, seus sorrisos me alegrar, seus
ensinamentos me socorrer. Suas tantas e belas lembranças evitar que eu
enlouquecesse.
- Porra Johnnie, que triste. Há quanto tempo foi isso?
- Faz tempo já Gabriel, mas jamais será tempo bastante.
- Cara, não imaginava que a ausência dela ainda te doesse tanto.
- Só dói quando penso nas coisas que sonhamos juntos durante o
curto tempo que durou. A merda é que penso nisso todo santo dia.
- Eu achava que ela tinha ido embora sem se despedir.
- E foi.
- Mas a forma como você descreveu....
- Foi a despedida que inventei para suportar.
- Porra Johnnie, acho que ninguém imagina.
- Ah maninho, dá trabalho esconder, mas escondo.
- Por que?
- Por muito tempo acreditei que o melhor seria esquecê-la. E
tentei, tentei muito fazê-lo. Pensava que não falar a respeito, sufocar essa
solidão sob camadas de sorrisos fáceis ajudaria.
- Pelo visto não ajudou né?
- Ajudou a fazer de mim o que me tornei. Um eu diferente do que
teria sido com ela. Aprendi a me articular, me mover, seguir. Conheci e conheço
muita gente, mas deixei ninguém me conhecer.
- Por que resolveu se abrir comigo agora?
- Para me sentir mais honesto, mais parecido com você.
- Comigo? Porra Johnnie, tudo que eu sempre quis foi ser como você.
- Besteira Gabriel, você é muito melhor do que eu. Você enfrenta
suas dores.
- Você não tem dores. Pelo menos achei que não as tivesse.
- Não as tenho. Aprendi como evita-las. E essa que carrego,
aprendia esconder por trás de um sorriso, uma piada sem graça ou um porre de
Jack Daniels.
- Nunca te vi chorar. Eu já choro pra cacete e me sinto um fraco por isso.
- Isso não faz de você um fraco, ao contrário, demonstra sua força.
Não ter vergonha da nossa condição humana requer muita coragem. Coragem que eu não tenho.
- Por que então me sinto um covarde?
- Porque você é um babaca. Covarde onde Gabriel? Você é meu herói.
- Porra Johnnie, não sei o que te dizer.
- Não precisa dizer nada, só seca seus olhos e toma uma comigo.
- Sempre irmão. Outro Jack?
- Você não prefere uma caipirinha de saque com frutas vermelhas?
- Vai se foder Johnnie. Hoje eu quero um Jack. Cowboy.
- Passarinho, um Jack Daniels cowboy para o “Anjo” aqui e pra mim, um
mojito com adoçante.
- Palhaço.
A. Masini